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Contos-->DE SINAL EM SINAL... UM ACENO -- 29/03/2000 - 15:55 (Waldo Santos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A cena que se segue é comum em qualquer cidade do planeta — claro, de acordo com suas devidas realidades.

— Moço, o Sr. poderia contribuir para a minha caixinha de natal?

O sujeito olha, meio que sem interesse para quem faz a pergunta já com um não na ponta da língua. Porém, seu olhar mira aquele figura meio esquálida, com aparência de 10, mas certamente sua idade real chega aos 13. Os olhos são azuis. Mas não aqueles azuis celestiais que vislumbramos nas modelos de capas de revista. É um azul diferente, lívido e tímido. Sem nenhum interesse específico, ele busca pelo restante. Consegue perceber dois pares de seios minúsculos, porém firmes. Braços finos se alongam pelas ancas quase moldadas. Pernas esguias completam o quadro à sua frente.

Nisso, o desespero acomete seu ser.

— Deus! Ela tem todos os atributos de uma beleza fenomenal.

Com esse temor em seu íntimo, ele desviou seu carro para o acostamento e chamou a garota para si.

Ela protestou, disse que precisava ganhar o seu.

Ele prometeu que lhe daria o suficiente.

Sentaram os dois na grama suja e ele começou a indagar-lhe sobre a vida.

Sim, ela tem mãe e pai. Porém, há muito não os vê. Mora com outros amigos numa cobertura de plástico, próximo ao lago Paranoá. Confessa que gosta do local. Sempre perde um pouco do seu tempo antes do trabalho para ficar admirando o movimento da vida no lago. São pássaros, velas e outros bichos — aí ela inclui o ser humano — que circula pelo ambiente inquietante que circunda seu cotidiano. Às vezes se aventura com outros amigos numa pescaria, mas garante que não gosta. Sempre que vê o bichinho agonizando, lhe falta coragem para tirá-lo da água. Assim, seu momento de reflexão se esvai. Pega a caixinha e vai, de sinal em sinal, em busca de um aceno.

Cantadas, já ouviu muitas. Mas finge não entender ou foge para o próximo carro.

— Todos os homens são assim. Se importam apenas com o seu bem estar. Para isso eles oferecem até um valor substancial.

Mas ela recusa. Diz que tem um sonho. Já se viu vestida de noiva, descendo pelas escadarias de uma igreja iluminada, sendo carregada no colo e ovacionada pelos amigos. Para ela, nenhum valor, mesmo que substancial, poderia lhe negar esse sonho. Por isso se resguarda e assim continuará.

Ele sorri. Olha admirado para a boca de sua musa espontânea. Suas linhas fisionômicas não produzem nenhum efeito especial. São expressões naturais e puras.

Os olhos azuis o miram e a seguir descem cabisbaixos. Não por inferioridade. É um movimento de quem percebe que é o centro das atenções. O sorriso brota matreiro. Posta a caixinha na grama e fica alisando os dedos. Olha com incrível atenção as unhas e dá uma assopradinha. Levanta-se rapidamente e bate as mãos no traseiro.

Novamente ele observa a figura à sua frente. Agora já com um olhar fixo. A blusa de um amarelo fosco, o shortinho marron claro deixa transparecer a rigidez das coxas em formação.

Ele lembra da sua filha, quase da mesma idade, e imagina os destinos opostos. Ela sonha em ser modelo. Ele, como pai atencioso, paga-lhe as custas disso.

Ela não precisa que lhe paguem nada. A natureza já lhe foi generosa. Basta um empurrãozinho do ocasional para que o destino lhe encaminhe ao trono que merece.

Envolto nesses pensamentos, ele retorna à musa, a caixinha sobre o peito, fitando-o, à espera da recompensa pelo momento de bucolismo que ocasionara ao homem.

Ele não vacila. Tira do bolso seu cartão e uma nota de 50 reais, pedindo suplicante:

— Vou lhe dar essa quantia todos os meses. Isso fará um bem enorme ao meu espírito. Só lhe peço que me informe como estás e que nunca pare de freqüentar a escola. Terás para sempre um amigo, sempre que precisar, minha casa estará aberta.

Ela apenas sorriu. Fitou-o com carinho. Guardou e voltou ao sinal.

No natal, devolveu o presente. Foi à casa do homem e lambuzou-se de rabanadas.


Waldo Santos
Jornalista, programador visual e músico
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